Especiais

Teleférico na Brasilândia: Quando a mesma ideia vira genial, desde que não seja do adversário

Projeto de R$ 1 bilhão pode levar mobilidade a uma das regiões mais esquecidas de São Paulo — e reacende a criatividade seletiva da política paulistana

Depois de ser ridicularizada nas eleições de 2024, a ideia de um teleférico urbano em São Paulo voltou aos holofotes — desta vez, com um novo rótulo: “proposta técnica”. O projeto, em fase de estudo pela SP Urbanismo, pretende conectar áreas de difícil acesso na Brasilândia, na Zona Norte, usando cabines suspensas para enfrentar o relevo acidentado da região. Coincidentemente (ou não), a iniciativa tem agora o apoio entusiasmado do mesmo prefeito que, meses atrás, chamou propostas parecidas de “sem noção”.

Teleférico de 4,6 km promete aliviar a rotina de quem sobe morro todo dia

A proposta prevê uma linha com aproximadamente 4,6 km, equipada com cabines para até 10 passageiros, partindo a cada 15 segundos. A capacidade estimada é de 3.210 passageiros por hora em cada sentido, com velocidade média de 18 km/h — um alívio para quem, hoje, depende de ônibus escassos, lentos e espremidos.

O trajeto em estudo ligaria a Avenida Cantídio Sampaio até a região do CEU Paz, passando por comunidades com acesso viário limitado, onde o asfalto muitas vezes só existe no papel.

O investimento estimado é de R$ 1 bilhão, e a previsão otimista da prefeitura é que a obra seja concluída em dois anos, desde que passe pela aprovação da Câmara Municipal e da SPTrans. O modelo de operação (público ou privado) ainda não foi definido — detalhe técnico, claro.

De “irrealista” a “inovador”: o milagre da transformação política

Durante a campanha de 2024, o então adversário Pablo Marçal (PRTB) propôs criar um “cinturão de teleféricos” em São Paulo. A reação do prefeito Ricardo Nunes (MDB)? Risos. A proposta foi tratada como delírio populista digno de comédia de campanha.

Mas o tempo, a política e a conveniência fazem milagres. Hoje, Nunes defende a implantação de um teleférico na Brasilândia como uma solução inteligente, pontual e com embasamento técnico.

Estamos falando de um teleférico para vencer uma barreira geográfica, não para substituir a malha de transporte da cidade”, explicou o prefeito — agora com ar de engenheiro urbano.

Ou seja: o problema não era o teleférico, era quem teve a ideia primeiro.

Exemplos internacionais inspiram, mas o histórico nacional preocupa

Cidades como Medellín (Colômbia) e La Paz (Bolívia) já provaram que teleféricos podem ser soluções eficazes de mobilidade, integrando regiões periféricas a centros urbanos. Porém, o exemplo do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, acende o sinal de alerta: desativado por anos por má gestão, mesmo após um investimento de R$ 210 milhões.

A lição é clara: obra bonita não se sustenta no ar sem manutenção, planejamento e compromisso de longo prazo.

Obstáculos no caminho (e no ar)

Antes de ver cabines cruzando os céus da Brasilândia, é preciso resolver questões básicas como:

  • Quem vai operar o teleférico?
  • Qual será o valor da tarifa?
  • Haverá integração com o Bilhete Único?
  • A demanda real justifica o custo?

A SPTrans ainda estuda o potencial de uso do sistema. E como sempre, o tempo entre estudo e execução pode ser maior do que o percurso da futura linha.

Brasilândia vê o projeto com esperança, mas não larga o pé no chão

Para os moradores, qualquer avanço que tire as pessoas do isolamento geográfico já seria revolucionário.

Quem mora nos altos dos morros sabe o quanto é difícil sair de casa para trabalhar ou estudar. Se isso sair do papel, vai ser um divisor de águas”, afirma Luciana Mendes, moradora da Brasilândia há mais de duas décadas.

Mas a memória coletiva da cidade lembra: promessa de mobilidade em São Paulo é como obra de Copa — começa com entusiasmo e termina com escada rolante quebrada.

Conclusão: a política voa, mas o povo continua esperando no ponto

O teleférico na Brasilândia tem tudo para ser um marco na mobilidade urbana da Zona Norte — se sair do papel. A mudança repentina de postura do prefeito Ricardo Nunes mostra que, em ano pré-eleitoral, até as ideias que ontem eram “malucas” podem hoje parecer visionárias.


Veja também:


Resta saber se a população vai finalmente ver os cabos se movimentando, ou se o projeto vai subir direto para aquele lugar onde ficam todas as promessas que São Paulo esqueceu.

Botão para Comentários
Mostrar mais

Aílton Donato

Profissional de marketing digital, apaixonado por mobilidade urbana, especialmente trilhos e ônibus. Usuário do transporte público sempre que é a melhor opção, evitando o estresse do trânsito. Também atua como Técnico em Edificações, unindo experiência em infraestrutura e deslocamento urbano.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

Botão Voltar ao topo

Para acessar o conteúdo, precisamos da sua ajuda!

Não cobramos para disponibilizar informações, mas a única forma de manter nosso site ativo e arcar com os custos é através dos anúncios exibidos em nossa página. Para continuar acessando o conteúdo, por favor, desative o bloqueador de anúncios.